domingo, 2 de agosto de 2009

Memphis [Mary O’Brien]


Mary O’Brien gostava de folk e, como integrante do trio The Springfields, foi o primeiro grupo vocal/instrumental inglês a entrar na parada musical americana. Em 1963, Mary O’Brien adotou o nome de Dusty Springfield ao mesmo tempo em que foi considerada a melhor cantora de rock da Grã-Bretanha, mas ela sequer cantava rock. Dusty tinha soul com seu standard surrado, punha sentimento mais que técnica, brincava com o ritmo, atrasando o tempo de algumas canções. A cantora chegou a inundar as paradas com seus hits, como os clássicos I Only Want To Be With You, Stay Awhile, Wishin’ And Hopin’, You Don’t Have To Say Love Me. Em novembro de 1968, Dusty apareceu com Son Of A Preacher Man, o anúncio do álbum Dusty In Memphis, música que, quase trinta anos mais tarde, foi ouvida na trilha sonora de Pulp Fiction, filme de Quentin Tarantino. Parece que a ideia de Dusty era de emular Aretha Franklin, contratando-se então o trio Jerry Wexler, Tom Dowd e Arif Mardin, os produtores responsáveis pelo som de Aretha. Dusty In Memphis mistura novas, desconhecidas, antigas e obscuras canções, lançado em 1969, mas desde o início da década de 1970, Dusty foi progressivamente se recolhendo, vivendo reclusa e quase anônima nos EUA. Tornou-se uma espécie de Greta Garbo? Não se sabe. Não se sabe em que tipo de labirinto Dusty se meteu. Um labirinto não é apenas arquitetônico, mas sonoro e musical. Ariadne precisa ter orelhas e é quem segura o fio no labirinto – tarântula que sempre refaz sua teia. Assim o labirinto é um anel, orelha, um caminho no qual nos perdemos, porém um caminho que retornamos. O labirinto é da vida e do ser como vivente. Dusty está além dos viventes das cavernas e dos cumes, ela é uma criança que foi concebida por uma orelha, filha de Ariadne e do Touro. Afinal, para que a música se libere será preciso passar para o outro lado, ali onde os territórios tremem e os hábitos se imiscuem, desprendendo um poderoso canto da terra.

Punk [Patti Smith]


Um século antes ou um século depois da nossa era, na Itália romana, cinco ou seis milhões de homens e de mulheres eram cidadãos livres, havia também um ou dois milhões de escravos que viviam nas áreas rurais e nos arredores de centros urbanos, com seus monumentos e ‘mansões’, suas domus. Não se sabe muita coisa sobre os costumes desse povo, salvo que o casamento lhes era proibido, assim permanecendo até o século III a.C. Acreditava-se que esse povo vivia em promiscuidade sexual, com exceção de um grupo de escravos de confiança [gerentes de negócios, funcionários dos templos, escravos dos próprios imperadores]. Esses privilegiados tinham uniões duradouras com concubinas exclusivas, muitas vezes recebidas das mãos dos próprios donos. O casamento era, entretanto, um ato privado que nenhum poder público precisava sancionar; cuja união não precisava do consentimento de nenhum vigário nem de nenhum prefeito. Num caso-limite, só os dois cônjuges podiam saber, no seu pensamento, se eram casados. Patti Smith não vivia em nenhuma província romana, colava poesia e rock’n’roll na ‘louca’ Nova York da década de 1970 – ela foi pioneira do que foi sendo chamado de punk nos EUA, transou androgenia, além de fazer todo tipo de transgressão às normas de conduta. Um belo dia se apaixonou por um guitarrista, Fred Smith, da banda MC5, e largou tudo para viver a vida de casada, cuidando do lar e dos filhos. Antes disso, ela disse que Jesus morreu pelos pecados de alguém, mas não pelos dela e, tempo depois, cantou People Have The Power. No seu primeiro disco, Horse, produzido por John Cale, ela aparece na capa à la Keith Richard, numa foto PB meio masculina, entre 1976-7, assim como no segundo, que conta com as músicas: Askthe Angels, Pissing In A River e Pumping [My Heart]. Produziu até 1988, já mãezona, quando celebrava a fé no ser humano, antes da morte de Fred Smith, que sofria de problemas cardíacos, em 1994, marcando fatalmente uma das alianças mais célebres da hitória da música.

Sex-appeal [Debbie Harry]


Como se esquecer daquelas bandas de mulheres que surgiram na década de 1970, na new wave, como a Stilletoes, por exemplo, banda que Deborah Harry montou antes do Blondie, grupo originário de uma cena nova-iorquina, que fez de Debbie um dos maiores símbolos sexuais do pop. O nome da banda [Blondie] contrasta com a imagem de Debbie, cujos sussurros e trinados são acompanhados por Clem Burke [bateria], Jimmy Destri [baixo/teclados] e Chris Stein [guitarra]. O hit Call Me está na trilha sonora do filme Um Gigolô Americano. Atomic, Rapture, One Way Or Another, Hanging’ On The Telefone são músicas que entusiasmaram multidões. O Blondie mistura malícia, ingenuidade e sex-appeal, como muitas bandas de sua geração, mas parece realmente o único a gostar de sexo e sempre será lembrada por suas músicas sobre namoros e paixões. Canta-se sobre sexo e namoros, instiga-se o sex-appeal, deste modo, não é forçoso afirmar que o anoréxico é um apaixonado e, como tal, vive de diversas formas a traição, revelada principalmente no ato de ‘enganar’ a fome: a ideia de o anoréxico pensar que os alimentos estão cheio de larvas, venenos, bactérias, essencialmente impuros, daí a necessidade de extraí-los e cuspi-los, como se o alimento fosse o traidor por natureza. A anorexia é, sobretudo, uma política delineada para se escapar das normas de consumo; para não ser objeto de consumo. Bem que as anoréxicas podem não comer, mas dar de comer aos outros, como uma ‘cozinheira-manequim’, ou então simplesmente sentar-se a mesa sem comer. O seu objetivo é arrancar partes mínimas de comida que preencham os cheios e os vazios do funcionamento de seu corpo, conforme essas partículas são recebidas e emitidas. A anorexia é, portanto uma política que manifesta uma espécie de ‘involuído’ da sociedade de consumo, ao mesmo tempo em que se impõe um corpo anorgânico, o que não quer dizer assexual, sob um consumo interrompido, neutralizado e asseptizado. A geração das paixões foi cantada por Debbie Harry, no Blondie, entre o final da década de 1970 ao final da década de 1990, com o retorno de não mais uma sex-appeal, mas testemunhou-se a sobrevida de uma matrona. Ao sabor de um período em que ser manequim demandava a involução do consumo, logo, não do quadro mitológico ou lendário, mas do quadro médico, patológico, nem por isso menos político, da anorexia; Debbie foi uma porta-voz desse feixe de forças sociais que se exercem sobre a estética feminina, cujo caso, mais precisamente, afetou Karen Carpenter, multistrumentista de outra banda tão famosa quanto da década de 1970, os Carpenters. Vítima de um ataque cardíaco, ela morreu de anorexia aos 32 anos, no dia 4 de fevereiro de 1983, às 9 horas e 51 minutos.