domingo, 2 de agosto de 2009

Memphis [Mary O’Brien]


Mary O’Brien gostava de folk e, como integrante do trio The Springfields, foi o primeiro grupo vocal/instrumental inglês a entrar na parada musical americana. Em 1963, Mary O’Brien adotou o nome de Dusty Springfield ao mesmo tempo em que foi considerada a melhor cantora de rock da Grã-Bretanha, mas ela sequer cantava rock. Dusty tinha soul com seu standard surrado, punha sentimento mais que técnica, brincava com o ritmo, atrasando o tempo de algumas canções. A cantora chegou a inundar as paradas com seus hits, como os clássicos I Only Want To Be With You, Stay Awhile, Wishin’ And Hopin’, You Don’t Have To Say Love Me. Em novembro de 1968, Dusty apareceu com Son Of A Preacher Man, o anúncio do álbum Dusty In Memphis, música que, quase trinta anos mais tarde, foi ouvida na trilha sonora de Pulp Fiction, filme de Quentin Tarantino. Parece que a ideia de Dusty era de emular Aretha Franklin, contratando-se então o trio Jerry Wexler, Tom Dowd e Arif Mardin, os produtores responsáveis pelo som de Aretha. Dusty In Memphis mistura novas, desconhecidas, antigas e obscuras canções, lançado em 1969, mas desde o início da década de 1970, Dusty foi progressivamente se recolhendo, vivendo reclusa e quase anônima nos EUA. Tornou-se uma espécie de Greta Garbo? Não se sabe. Não se sabe em que tipo de labirinto Dusty se meteu. Um labirinto não é apenas arquitetônico, mas sonoro e musical. Ariadne precisa ter orelhas e é quem segura o fio no labirinto – tarântula que sempre refaz sua teia. Assim o labirinto é um anel, orelha, um caminho no qual nos perdemos, porém um caminho que retornamos. O labirinto é da vida e do ser como vivente. Dusty está além dos viventes das cavernas e dos cumes, ela é uma criança que foi concebida por uma orelha, filha de Ariadne e do Touro. Afinal, para que a música se libere será preciso passar para o outro lado, ali onde os territórios tremem e os hábitos se imiscuem, desprendendo um poderoso canto da terra.

Punk [Patti Smith]


Um século antes ou um século depois da nossa era, na Itália romana, cinco ou seis milhões de homens e de mulheres eram cidadãos livres, havia também um ou dois milhões de escravos que viviam nas áreas rurais e nos arredores de centros urbanos, com seus monumentos e ‘mansões’, suas domus. Não se sabe muita coisa sobre os costumes desse povo, salvo que o casamento lhes era proibido, assim permanecendo até o século III a.C. Acreditava-se que esse povo vivia em promiscuidade sexual, com exceção de um grupo de escravos de confiança [gerentes de negócios, funcionários dos templos, escravos dos próprios imperadores]. Esses privilegiados tinham uniões duradouras com concubinas exclusivas, muitas vezes recebidas das mãos dos próprios donos. O casamento era, entretanto, um ato privado que nenhum poder público precisava sancionar; cuja união não precisava do consentimento de nenhum vigário nem de nenhum prefeito. Num caso-limite, só os dois cônjuges podiam saber, no seu pensamento, se eram casados. Patti Smith não vivia em nenhuma província romana, colava poesia e rock’n’roll na ‘louca’ Nova York da década de 1970 – ela foi pioneira do que foi sendo chamado de punk nos EUA, transou androgenia, além de fazer todo tipo de transgressão às normas de conduta. Um belo dia se apaixonou por um guitarrista, Fred Smith, da banda MC5, e largou tudo para viver a vida de casada, cuidando do lar e dos filhos. Antes disso, ela disse que Jesus morreu pelos pecados de alguém, mas não pelos dela e, tempo depois, cantou People Have The Power. No seu primeiro disco, Horse, produzido por John Cale, ela aparece na capa à la Keith Richard, numa foto PB meio masculina, entre 1976-7, assim como no segundo, que conta com as músicas: Askthe Angels, Pissing In A River e Pumping [My Heart]. Produziu até 1988, já mãezona, quando celebrava a fé no ser humano, antes da morte de Fred Smith, que sofria de problemas cardíacos, em 1994, marcando fatalmente uma das alianças mais célebres da hitória da música.

Sex-appeal [Debbie Harry]


Como se esquecer daquelas bandas de mulheres que surgiram na década de 1970, na new wave, como a Stilletoes, por exemplo, banda que Deborah Harry montou antes do Blondie, grupo originário de uma cena nova-iorquina, que fez de Debbie um dos maiores símbolos sexuais do pop. O nome da banda [Blondie] contrasta com a imagem de Debbie, cujos sussurros e trinados são acompanhados por Clem Burke [bateria], Jimmy Destri [baixo/teclados] e Chris Stein [guitarra]. O hit Call Me está na trilha sonora do filme Um Gigolô Americano. Atomic, Rapture, One Way Or Another, Hanging’ On The Telefone são músicas que entusiasmaram multidões. O Blondie mistura malícia, ingenuidade e sex-appeal, como muitas bandas de sua geração, mas parece realmente o único a gostar de sexo e sempre será lembrada por suas músicas sobre namoros e paixões. Canta-se sobre sexo e namoros, instiga-se o sex-appeal, deste modo, não é forçoso afirmar que o anoréxico é um apaixonado e, como tal, vive de diversas formas a traição, revelada principalmente no ato de ‘enganar’ a fome: a ideia de o anoréxico pensar que os alimentos estão cheio de larvas, venenos, bactérias, essencialmente impuros, daí a necessidade de extraí-los e cuspi-los, como se o alimento fosse o traidor por natureza. A anorexia é, sobretudo, uma política delineada para se escapar das normas de consumo; para não ser objeto de consumo. Bem que as anoréxicas podem não comer, mas dar de comer aos outros, como uma ‘cozinheira-manequim’, ou então simplesmente sentar-se a mesa sem comer. O seu objetivo é arrancar partes mínimas de comida que preencham os cheios e os vazios do funcionamento de seu corpo, conforme essas partículas são recebidas e emitidas. A anorexia é, portanto uma política que manifesta uma espécie de ‘involuído’ da sociedade de consumo, ao mesmo tempo em que se impõe um corpo anorgânico, o que não quer dizer assexual, sob um consumo interrompido, neutralizado e asseptizado. A geração das paixões foi cantada por Debbie Harry, no Blondie, entre o final da década de 1970 ao final da década de 1990, com o retorno de não mais uma sex-appeal, mas testemunhou-se a sobrevida de uma matrona. Ao sabor de um período em que ser manequim demandava a involução do consumo, logo, não do quadro mitológico ou lendário, mas do quadro médico, patológico, nem por isso menos político, da anorexia; Debbie foi uma porta-voz desse feixe de forças sociais que se exercem sobre a estética feminina, cujo caso, mais precisamente, afetou Karen Carpenter, multistrumentista de outra banda tão famosa quanto da década de 1970, os Carpenters. Vítima de um ataque cardíaco, ela morreu de anorexia aos 32 anos, no dia 4 de fevereiro de 1983, às 9 horas e 51 minutos.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Canto [Cindy Wilson]


O corpo da mulher foi analisado, a partir do século XIX, como corpo saturado de sexualidade e integrado sob o efeito de uma patologia intrínseca ao campo das práticas médicas. Com efeito, o corpo da mulher foi posto em comunicação num tríplice processo: com o corpo social [assegurar a fecundidade]; com o corpo familiar [como elemento funcional]; com o corpo das crianças [pela responsabilidade ‘biológico-moral’ substancial]. Enfim, trata-se mais de um processo de histericização do corpo da mulher do que uma histeria patológica propriamente dita, mas ato estratégico, no gesto que criou a imagem negativa de uma ‘mulher nervosa’, cuja forma mais perceptível dessa ‘histeria’ sempre se manifestou pelo grito. Mas é certo, o canto deve imitar os gritos e os lamentos. Observa-se que a unidade natural da voz e do canto no grito é uma experiência que supõe a distância que separa a ‘voz da fala’ da ‘voz do canto’ mais ou menos harmoniosa. O grito surge aqui como uma metáfora da voz da natureza, voz doce, materna, fala cantada que não se pode desobedecer. Essa fala viva e feminina alcançou tons memoráveis, hipnóticos, apagando os acentos mais circunflexos e redistribuindo as vozes sob uma esteira melódica e harmônica elegantemente afinada, pode-se até ouvir Cindy Wilson cantar, com seu cabelo de bolo confeitado. Cultuada durante a década de 1980, os B-52’s tornou-se o cerne da geração new wave. Entre eles, a música é produzida na medida em que se fazem jams, ao improvisá-la, chegam a demorar uns dez ensaios para trabalhar uma música. Os B-52’s param e retomam com as harmonias vocais, com as melodias e as letras. Rock Lobster, de 1979, é uma música performática, mas atual até hoje. David Byrne, integrante dos Talking Haeads, produziu o terceiro disco da banda, o Mesopatamia, em 1982. Legal Tender e Song For A Future Generation datam de 1983 e fazem parte de Whammy!, o álbum que praticamente inaugurou a new wave no Brasil. O guitarrista Rick Wilson, morto em decorrência da AIDS em 1985, foi homenageado com a edição dos vídeos da banda, compilados pela Warner. Love Shack e Roam são músicas do álbum Cosmic Thing de 1989. Cindy Wilson deixou a banda sem participar da gravação do disco Good Stuff, em 1992, com o intuito de ir para Georgia e constituir família, embora ela tenha voltado para os B-52’s em 1998.

Mask [Siouxsie Sioux]


É na expressão facial que se exprime a disposição humana para os mais ricos jogos de metamorfoses fisionômicas. A máscara é aquilo que não se transforma, inconfundível e duradoura, produz o efeito de ocultar tudo quanto há por trás de si. Quanto mais nítida ela for, mais obscuro será tudo aquilo que houver por trás dela. A tensão entre a rigidez da máscara e o segredo que oculta é a razão de seu caráter ameaçador. Mas a máscara produz também um efeito tranquilizador, porque se interpõe entre o perigoso [que está atrás da máscara] e o observador. Assim, para o observador, a máscara pode banir o perigo. Carregando os mesmos perigos e as mesmas tranquilidades, a maquilagem não deixa de ser máscara, porém muito mais efêmera e mais sutil, menos oculta. Deste modo, a maquilagem dela sempre foi muito expressiva, pelo menos, o bastante para carimbar a sua imagem. Da máscara à maquilagem há uma enormidade de gradações, passando quiçá pelas tatuagens, que se estabelecem sem grandes oposições, mas secretam diferenças: uma se sobrepõe sobre a pele, a outra gruda e se esfuma com facilidade. Acontece que elas marcam os rostos, não só os escondem. Siouxsie Sioux não usa máscaras, mas, por exemplo, os cosméticos borram propositalmente o seu rosto nórdico, colorem e rasuram o que naturalmente seria pálido. Seu nome Sioux provém das tribos norte-americanas, mas sua banda Siouxsie & The Banshees foi germinada no Reino Unido, no final da década de 1970. Período em que as bandas foram formadas por ex-pub rockers e jovens que passavam a maior parte de seu tempo nas ruas, tendo no punk a oportunidade para se expressar, apesar de exigir o mínimo de profissionalismo. Robert Smith juntou-se aos Banshees, gravando inclusive um show no Royal Albert Hall em setembro de 1983, embora também fosse integrante do Three Imaginary Boys e do The Cure: célebre show com Helter Skelter e Dear Prudence de Lennon e McCartney. Um dos discos mais esperados da banda foi Once Upon A Time, com os singles de 1978 a 1981 reunidos. Spellbound teve clip, numa fuga fatigante, em que Budgie [baterista] dava saltos sobre barras invisíveis, dirigido por uma câmera enfurecidamente locomotora.

Suingue [Fernanda Abreu]


Em plena Alemanha nazista, na II Guerra Mundial, a Blitzkrieg, guerra-relâmpago e policial, deu origem ao nome Blitz, banda que contou com a participação de Fernanda Abreu. Suas incursões neste grupo proporcionaram-lhe estender-se em sua carreira solo. O líder do Soul II Soul, Jazzie B, a conheceu quando ela remixava um de seus discos nos estúdios dessa banda nos EUA. Assim, foi sendo cultuada a rainha da dance music brasileira, sem nunca deixar o funk. Da Lata foi um disco célebre, com Brasil É O País Do Suingue, um som que espanca e sara, ao aliar morro e asfalto, Zona Sul e Baixada, Lapa e Borel. Quem não temeu essa fusão? Trata-se de criar um muro sonoro para cada lar com aparelhos de rádio e televisão, obras obscuras que refundaram as cidades. Afinal, quando dois seres são capazes de se afrontar, muito barulho acontece. O ritmo de um cresce quando ele se aproxima do morro, o ritmo do outro decresce quando se afasta do asfalto e, entre os dois, nas fronteiras, uma constante oscilação se estabelece: um ritmo ativo testemunhou o Rio.

Muco [Luke & Tantra]


A banda Muco é formada por Luke no vocal e guitarra, Tantra no baixo, também conta com a presença de Montanha, na bateria, e a participação suspeita de Orelha. Certa vez Luke pediu a Tantra para fazer um solo no baixo. Mas Tantra perguntou: ‘Fazer um solo? E se eu engravidar?’ – retrucou a menina... ‘Droga, fiz xixi’. Luke amava Baudelaire, Lou Reed e cantava: ‘acordo e mando o mundo a merda/ no almoço a comida é azeda/ no jantar eu não aguento mais!’ Ele ia na frente do palco e gritava Yeah! Era isso o que o Zoreia fazia na banda, segundo Tantra, além de viver reclamando com a Luke sobre o novo estilo TPM rock. Montanha disse uma vez que o nome da banda podia ser Muco. ‘Muco?’ – todos perguntaram. ‘De onde você tirou esse nome?’ – Tantra não resistiu. Respondeu ele: ‘Do nariz’. O espaço de representação se consolidou nos quadrinhos de jornais, com a rubrica de Angeli, ao perceber no Brasil do final da década de 1990, que o rock’n’roll tornava-se cada vez mais das mulheres, irreversivelmente feminino. Enquanto isso, longe em seu castelo, murado com cercas elétricas e programado, sob as leis brutais da sombra e da luz, que aceleram os gestos dos seus cruéis habitantes, numa teatralidade congelada, a boa-mãe folheava os classificados em sua alcova.

Pus [Syang Death]


Syang já destilou canções senão românticas, pelo menos suaves, mas foi com o heavy metal que ela se consagrou. Antes de empunhar a sua guitarra no PUS [Porrada Ultra Suicida], Syang Death foi encontrada em um natal na Disneylândia, cantando Merry Christmas. Mas isso foi em 1986, ela tinha 17 anos, quando fez um intercâmbio nos EUA. Syang nunca se enganou, ela era o maior atrativo do PUS, com seu visual louro e sua imagem tatuada. Nesse ritmo, o PUS gravou mais de três discos na década de 1990, por selos independentes, e chegaram a lançar Preset pela gravadora Paradoxx. A banda fazia na verdade uma mistura de heavy metal com techno e baticundum tribal, autodenominado, por eles, de Modern Primitivies. Até um canto de cigarra seria capaz de inspirar Syang. Ex-guitarrista do Pus e ultra-sensitiva, ela já chegou a notar presenças extraterrestres. Syang descobriu, com seu guru, o Nacib, que em outra encarnação ela teria sido uma bruxa que dominava guerreiros e bárbaros, enfeitiçava multidões. Dentre tantas propriedades, sabe-se que as bruxas foram vistas muitas vezes deitadas de costas, nos campos e nos bosques, nuas até o umbigo; e, pela disposição de seus órgãos sexuais e pela agitação das pernas, coxas, óbvio, elas pareciam estar copulando com um incubo. Razão pela qual se afirmavam, em especial na Europa, que elas mantinham contato com a ‘magia erótica’, sendo sua principal função resolver paixões amorosas.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Girl [Juliette Lewis]


As moças são esses seres de fuga ou puras relações de velocidades e lentidões. Curioso, uma moça está atrasada por velocidade. Ela faz coisas demais, atravessa espaços demais e sua aparente lentidão se transforma numa longa espera. Não é a moça que se torna mulher nem a criança que se torna adulta, mas é a moça que se traduz em movimento, dinâmica, de uma juventude universal. Como um furacão, ela chegou correndo, sentou-se e está pronta para pedir uma bebida. Ela sabia que começou tarde com a música, então precisava recuperar o tempo perdido: lançar discos e fazer shows. Juliette Lewis ficou conhecida por ser a atriz polêmica de Assassinos Por Natureza, também por sua indicação ao Oscar de atriz coadjuvante em 1991, por Cabo Do Medo. Longe das telas, aos 30 anos criou uma banda, definida de ‘hard rock’ por ela mesma, Juliette Lewis & The Licks, com sua estreia em 2004, no EP Like A Bolt Of Lightning, seguido pelo primeiro álbum You’re Speaking My Language de 2005. O segundo, Four On The Floor, contou com a participação de Dave Grohl, líder dos Foo Fighters, na bateria. Quando começou a banda, o objetivo dela era escrever músicas energéticas e com bom ritmo, pois o luxo para Juliette foi e sempre será o show ao vivo, justifica-se, porque é algo muito elétrico, isto é, lida-se com a energia das pessoas. Em filmes tudo é mais reflexivo, analítico e solitário, num set, com sua equipe, contribui-se para contar uma história, mas a música acabou se tornando a extensão da própria Juliette. Sua banda é formada só por rapazes, cujas maiores influências vão dos épicos do Queen aos rocks psicodélicos de Tom Petty, The Clash e Neil Young. Aqui a música mais uma vez tornou-se uma forma que deve lembrar outra coisa, rebater-se sobre outra, fazer uso de outros rostos e gestos.

Doo-Wop [Amy Winehouse]


Diva do soul, que canta sobre seus canecos e seus amores, a imagem revolta de Amy Winehouse, criada na zona norte londrina, rodeada por rappers, interpreta temas com sua voz clássica, acompanhada de uma sonoridade retro. A cantora investiu em suas paixões: a Motown, o doo-wop, os grupos femininos da década de 1960, o soul. Com um timbre inconfundível e um suingue sessentista. Amy é do tipo que bebe todas e diz o que vem à cabeça. O primeiro álbum, Frank, de 2003, misturava jazz com hip-hop. O segundo, Back To Black [traduz-se o ‘black’ como um estado de espírito negro, um buraco, conta com a música You Know I’m No Good], conta com remix de Ghostface Killah, do grupo de rap Wu-Tang Clan. Na faixa Rehab, Winehouse se recusava a obter ajuda para sua dependência de álcool cantando: ‘I don’t want to drink again/ I Just, ohh, I Just need a friend’. Aproveitando-se da repercussão lucrativa de uma cantora retro, como Amy, em investidas sucessivas no submundo, sua história se espalhou sem grandes segredos, ressaltando seus saltos rumo à desgraça. Toda a vida é, obviamente, um processo de demolição, repetiu-se tantas vezes a propósito das novelas de Fitzgerald, vide o suicídio, a loucura, o uso das drogas e do álcool. Percebe-se que o alcoolismo não aparece como a busca de um prazer, mas de um efeito, que consiste num extraordinário endurecimento do presente. O alcoólatra identifica-se com seu amor, com seu horror e com sua compaixão, desde que a dureza vivida do momento presente lhe permita manter a realidade à distância. O alcoólatra não vive no passado nem no futuro, de sua embriaguez, ele compõe um passado imaginário, como se sua doçura viesse a se combinar com a dureza do presente. O que justifica, talvez, Amy Winehouse surgir dos ‘guetos’ ingleses e antecipar, dentre porres homéricos, a sua própria desaparição, numa cópula entre passado e presente, o retro obviamente demonstra a sua demolição.

Vampire [Meg White]


Próximo do sexto disco, Jack White retomava suas raízes vermelhas e brancas com a baterista Meg White, como se usasse um cobertor velho. Eles já chegaram com um monte de canções meio terminadas aos estúdios de gravação, mas levavam poucas semanas para gravar. Os White Stripes usavam marimbas e piano, sintetizadores analógicos, órgão Hammond, ‘metais de mariachi’ e pouquíssimas interferências de baixo. Suas canções combinavam uma poluição de slides com o jeitão de John Lee Hooker, além de ressoar como música country, feita para tocar nas rádios. Criaram mais de cinco discos em menos de sete anos de carreira, fizeram o máximo possível com o tempo que já tiveram na terra. Pelo menos enquanto a imortalidade for atribuída às espécies determinadas, como os vampiros. Não resta dúvida que, em geral, o prazer que a mulher aufere do coito provenha do fato de que ela castre simbolicamente o macho e se apropria do sexo dele, conforme muitos psicanalistas, assim a mulher torna-se vampiro, mutiladora, come e bebe o seu sexo, alimenta-se gulosamente dele. O vampiro também expressa um caráter carnal monstruoso, excessivo e rebelde. Desde que o conde Drácula de Bram Stoker desembarcou na Inglaterra vitoriana, o vampiro constituiu uma ameaça à sociedade, em particular, à instituição familiar. A ameaça do vampirismo sempre foi sua sexualidade excessiva, seu desejo insaciável por carne, sua mordida erótica que atinge igualmente homens e mulheres, ameaçando a ordem do acasalamento heterossexual. Que ameaça à sexualidade White Stripes tanto provocou senão um sexismo vampiresco, obscuro, onde especular se Mag e Jack eram mesmo irmãos, ‘White’, uma mesma família, pouco importava. Será que faz sentido interrogar os glóbulos brancos e vermelhos representados pelas cores das listras de White Stripes? Ou será necessário questionar se eles foram uma nova geração mordida, que formaram uma raça eterna? Ou será coincidência demais? O que se reconhece é que os White Stripes continuarão marginais, não só como vampiros, certamente, mas como tantos colegiais rebeldes, portadores de desvios, aleijões, sobreviventes de famílias patológicas e assim por diante...

Muse [Beth Gibbons]


Dummy, disco de estreia do Portishead, marcou a junção de Beth Gibbons e Geoff Barrows. Neste disco recuperou-se o mestre da soul music Isaac Hayes [com um sample de Ike’s Rap, presente em Glory Box]. Dummy reinventou o clima down com Sour Times, com seu refrão ‘nobodys loves me’, além de trazer, a preciosa Numb, quando realmente foi possível fundir discoteque, Hitchcock e orquestra sinfônica. O drama explícito na voz de Beth Gibbons paira sobre os climas sombrios do Dj Barrow, ex-colaborador de Neneh Cherry e do Massive Attack. Portishead, vindo de Bristol na Inglaterra, repetiu de uma forma singular o que musas, como Beth, em geral, fazem com a música e a poesia. Por muito tempo, em nossa cultura ocidental, a poesia consistiu em uma forma típica de possessão e de delírio divino. Possuído pelas Musas, o poeta tornava-se o intérprete do tempo, aliás, do passado, com a poesia oral, tal como ela se exerceu nas confrarias de aedos, de cantores e músicos, na idade arcaica. Pouco se sabe como o aprendiz de cantor se iniciava, nessas confrarias, para dominar essa língua poética. As próprias regras de composição oral exigiam que os cantores dispusessem de esboços de dicção formal para sua utilização, prontos para empregar expressões tradicionais, combinar palavras fixadas, identificar receitas de versificação estabelecidas. Assim, as Musas sabiam e cantavam tudo o que foi, o que era e o que seria, ao ouvido dos seus ‘eleitos’.

Queer [L7]


O feminismo sempre teve uma relação necessariamente contraditória com o corpo, pois o corpo nunca deixou de ser o lugar da opressão da mulher, aliás, a especificidade corporal das mulheres tornou-se a base da prática feminista. Muitas teorias sobre o corpo parecem resolver esse paradoxo, na medida em que se opõem ao corpo e favorecem a performatividade da ‘Carne Social Queer'. Essa performatividade Queer não se limita a reproduzir ou a reformar os corpos sociais modernas, mas busca o significado político do reconhecimento de que o sexo e todos os outros corpos sociais são produzidos, continuamente reproduzidos, através de nossas representações cotidianas. Mas nós podemos subverter esses corpos sociais, representando novas normas sociais. Afirma-se que não existem corpos Queer, mas uma espécie de carne Queer, que reside na comunicação e na elaboração da conduta social. A política Queer é, então, um exemplo de um projeto coletivo performativo de rebelião e criação. O L7, aquele quarteto feminino, vindo de Los Angeles, com seus ataques poderosos e com sua fulminante presença de palco, subverteu e representou o rock’n’roll de maneira diferente. Mesmo que não exista uma ideologia política feminista engajada, Queer, como pulsão para unir a banda, trata-se, na prática, de uma das mais bestiais rebeliões 100% feminina no rock: com toda a violência das guitarras de Suzy Gardner e Donita Sparks, do baixo de Jennifer Finch e da bateria de Demetra Plakas. Bricks Are Heavy é um disco de festa, produzido por Butch Vig [o mesmo de Nevermind do Nirvana], que explicita uma equação: Ramones, Motörhead, Joan Jett mais Black Sabbath. Com onze faixas de punk pop predestinadas ao culto, com suas melodias distorcidas, massacrantes, mas ao mesmo tempo acessíveis, parece que ainda agrada tanto aos bangers como aos leigos grudados na MTV.

Nhambiquara [Marisa Monte]


Ela circulava pelo Rio de Janeiro ao volante de um Nissan Pathfinder e costumava jantar em Nova York na casa de Laurie Anderson. Marisa Monte elogiava Chico Science, enquanto Carlinhos Brown tocava o que o Arnaldo Antunes rabiscava, sob um clima ‘estradeiro’, de turnês no interior de São Paulo a viagens pelo Nepal, sua vida era uma viagem e desatava: ‘mais uma vez eu vou te deixar/ mas eu volto logo para te ver, vou com saudade no meu coração/ mando notícias de algum lugar”. É que a história da estrada – ruptura, via abrupta, via rompida, varada, fracta –, do espaço de reversibilidade e de repetição traçado pela abertura, pelo afastamento violento da natureza, da floresta natural, confunde-se com penetrar no ‘mundo perdido’ dos Nhambiquara [pequeno bando de indígenas nômades] que estão entre os mais primitivos que se possam encontrar, atravessados por uma picada [pista grosseira cujo traçado é quase indiscernível do mato]. De outro modo, além da paixão pela estrada, lembra-se de uma treta com o nome próprio que atacou Marisa: "eu não agüento mais a Marisa Monte! Eu não quero mais a Marisa Monte!" Mas era porque ela acordava de manhã e já tinha recado: reunião de vídeo, tal hora; resolução dos discos e ensaio para os shows tal hora. Sua cabeça estava para explodir. Os Nhambiquara, uma dessas tribos sem escrita, escondiam o que as meninas expunham na sua transgressão, não idiomas, mas nomes comuns, próprios. Um dia Claude brincava com um grupo de crianças Nhambiquara, quando uma das meninas tinha sido espancada por outra, que foi se refugiar perto dele, e pôs-se a murmurar alguma coisa em seu ouvido. Claude não compreendeu e a obrigou repetir diversas vezes, esse sussurro, esse ‘barulhinho’. A tal ponto que a adversária descobriu a manobra e veio lhe revelar, furiosamente, o que parecia ser um segredo: dizer o nome da sua inimiga e, quando a outra percebeu, comunicou-lhe o nome da primeira, como represália. Assim foi fácil e pouco escrupuloso conseguir o nome de todos os outros da tribo, com uma pequena cumplicidade criada. Quando os adultos compreenderam esses vocábulos conciliados, as crianças foram repreendidas, secou-se a fonte das informações. Entretanto, Marisa Monte gostava de certas músicas e mais ainda de ser instrumento para que as pessoas as conhecessem, ela não era uma Nhambiquara?

Lesbus [Cassia Eller]


A horrível careta de Gorgô simbolizava as forças que traduzem o esplendor que, neste mundo, a divindade empresta ao corpo de homens e mulheres, quando se refletem bem-aventurados. Mais preocupada com sua voz e com as harmonias, ela não era durona, passava a bola para a banda. Ela adorava improvisar, principalmente ao vivo. Detestava rótulos, mas chegou a ser rotulada de bluseira, sem conhecer tanto blues a esse ponto. Ela gostava de Stevie Wonder, Beto Guedes, Elis, Jovem Guarda, adorava ouvir rádio, mas chegou a ouvi-lo só na hora de lavar as louças. Sua opção sexual pintou na infância, quando a mamãe lhe dava boneca e nada... Sempre queria revólver, farda... Cassia Eller amou Eugênia. Em Lesbos, na Grécia Antiga, havia um concurso público que consagrava esse valor de beleza: por ocasião de uma festa denominada Callistéia, do prêmio de beleza, escolhiam-se as sete mais belas moças, agrupando-se em um coro, prestando-lhe um culto nessa mesma cidade. As qualidades simbólicas e físicas representavam entre os gregos ‘valores’ que ultrapassavam os homens e ‘poderes’ de origem divina. Noutro tempo e noutro diapasão, sem deixar de se estender como mito, Cassia Eller não se envaidecia por ser endeusada por gente como Renato Russo, Frejat e Nando Reis. Ela não conseguia pensar nisso e achava muito engraçado o fato de ser louvada por seus próprios ídolos.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Alice [Fernanda Takai]


Procurar o segredo dos acontecimentos na profundidade das terras, poços e tocas que se cavam, que se afundam, que se penetram e coexistem misturando os corpos: movimentos de mergulho e soterramento dão lugar a movimentos laterais de deslizamento, da esquerda para a direita e vice-versa. Podia ser o começo de Alice de Lewis Carrol ou mesmo a paisagem esburacada das minas. As aventuras subterrâneas de Alice acontecem como os cristais, que crescem e se transformam apenas nas bordas, a não ser pelas bordas. Assim a descida da menina só cresce e diminui pelas bordas, superfície que enrubesceu Carrol. E se não houver nada para ver debaixo da cortina? Inventa-se uma máquina de esticar e aumentar até mesmo as canções. Nos confins das minas, em Belo Horizonte, por volta de 1995, eles foram denominados de ‘superchiques’, o que faz burburinho até hoje. Talvez porque nessa época, os três membros do Patu Fu [Fernanda, John e Ricardo] foram aos EUA, como convidados VIPs da Disney, de lá fizeram um programa de rádio para uma emissora de Belo Horizonte e aproveitaram para fazer um showzinho no SOB’s em Nova York. Era uma noite de ska que só tinha os três de brasileiros. De fato, superchiques! Questionou-se muito a introdução de um baterista na banda: por causa do uso de bits programados numa bateria eletrônica. Toda essa esquisitice e a voz de Fernanda Takai fizeram com que a banda fosse comparada insistentemente com Os Mutantes, a versão Qualquer Bobagem do disco Gol De Quem também contribuiu muito com essa enquete. Já no disco Tem Mais Acabou o trio se transformou num ‘power quatrilho’, com a chegada do baterista Xande. Mas o repertório do Pato Fu sempre foi saudavelmente caótico: colagens de gêneros, bom humor, referência a desenho animado... As guitarras pós new wave mostraram as influências reais da banda, enquanto Fernanda Takai bate palmas, canta, toca e enche a cara num vira-vira.