
Acontece que a música devém da separação desoladora do canto e da fala, o que se torna singular entre os ‘bárbaros setentrionais’, doces bárbaros. O canto não parece natural ao homem, embora os selvagens americanos cantem, mas porque antes falam. É mais fácil reconhecer a voz falada no homem que escutou cantar. Desse modo o canto deve imitar os gritos e os lamentos. Pode-se falar do canto a propósito das mulheres indígenas sul-americanas, mas em geral trata-se de uma ‘saudação chorosa’. Ritual de saudação a um estrangeiro ou um parente próximo, sempre as mulheres cantam chorando. Tom queixoso, mas com voz forte, agachadas e com suas melodias estridentes. Frequentemente as mulheres cantam juntas. O canto das mulheres jamais é alegre. Os temas são sempre a morte, a doença, a violência, elas chegam a assumir na tristeza de seu canto toda a infelicidade e angústia de seu povo. As mulheres em questão são provenientes de uma tribo chamada Guayaki, nômades que povoam as fronteiras entre o Brasil e o Paraguai. Em princípio poderíamos confundir ou associar o comportamento feminino do canto das Guayaki ao de inúmeras cantoras brasileiras, pela dor, angústia e queixa que ilumina os seus versos. Em especial, Maria Bethania, embora se trate de um jeito mais sofisticado de cantar, só muito longe é que se percebe a exaustão dessa tristeza. O trabalho de estreia de Bethania foi gravado em 1965 e pertenceu ao auge da ‘canção-protesto’. Um protesto maniqueísta que se esfacelava frente a força bruta da interpretação de Bethania, ao ostentar cada fragmento das canções. Neste disco se encontra Carcará, uma das músicas mais poderosas, onde também se encontram as primeiras composições de seu irmão, Caetano Veloso, que foram lançadas; Maria da Graça, futura Gal Costa participou de um dueto em Sol Negro, além da participação de Jards Macalé; Nelson do Cavaquinho tocou em Feiticeira; enfim, desfilaram em seu repertório criações de Noel Rosa, João de Barro, Caymmi, Batatinha e Monsueto de Menezes [em Mora Na Filosofia]. Ideóloga involuntária do tropicalismo, com seu som, Maria Bethania derruba as prateleiras com Lama Negra, Explode Coração ou Cálice - enquadrada na censura e na lei seca dos microfones desligados durante o festival Phono 73. Mas em seu disco Âmbar, em plena década de 1990, as cordas chegaram a ser gravadas em Londres, a masterização em Los Angeles, a voz no Abbey Road.
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